O Motorista Profissional e as Horas de Espera
- Marcelo Depícoli Dias
- 29 de mai. de 2020
- 7 min de leitura

A legislação que regula o contrato de trabalho havido com motoristas profissionais passou por grandes mudanças na última década. Notando que a categoria enfrenta situações peculiares, o legislador houve por bem introduzir, na Consolidação das Leis do Trabalho, uma série de dispositivos voltados a esse tipo de empregado. Ainda hoje, porém, passados oito anos desde a primeira mudança legal, Companhias de Transporte ainda sofrem com a dificuldade de compreensão e aplicação de algumas dessas normas, o que traz grande insegurança jurídica e leva ao risco de passivos judiciais expressivos e inesperados.
Um dos temas mais relevantes e complexos dentro do assunto é o que diz respeito às horas de espera. Sua definição e contabilização para fins remuneratórios é controvertida, notadamente em razão das alterações sucessivas no Ordenamento Jurídico e, mais do que isso, da própria ausência de um entendimento jurisprudencial consolidado a indicar a melhor interpretação dos preceitos legais. Saber quando determinado tempo realmente se configura espera e de que modo se deve tratá-lo é imprescindível para que o empregador, a uma, obtenha economia legal e, a duas, evite ser condenado na Justiça do Trabalho.
Pois bem. Tempo de espera, para os fins do artigo 235-C, parágrafo oitavo, da Consolidação das Leis do Trabalho, é aquele em que o motorista está aguardando o carregamento ou descarregamento do veículo, ou, ainda, aquele em que aguarda a realização de algum expediente fiscal ou alfandegário. A primeira coisa a se notar, portanto, é que a espera não envolve qualquer período em que o empregado está parado. Se o motorista se encontra à disposição - na empresa ou em um dado local qualquer - aguardando receber uma ordem ou tarefa, esse tempo não se traduz em espera, mas sim em trabalho efetivo. A espera existe somente quando ele de fato já tem uma tarefa em curso, mas se vê obrigado a aguardar - em fila, pátio, posto fiscal ou congênere - um procedimento de carga, descarga ou fiscalização.
O tempo de espera, portanto, se inicia no instante em que o motorista chega ao local em que irá retirar a mercadoria, ou ao local em que vai entregá-la, e termina quando ele deixa essa localidade. No caso da fiscalização, a espera vai do instante em que o motorista ingressa na fila do posto fiscal - ou no momento em que é parado pela autoridade fiscalizadora - e se encerra quando ele deixa o ambiente. Vale lembrar que a movimentação do veículo enquanto em fila não elimina a espera, sendo admitido por lei que o motorista a realize.
Definidas as horas de espera enquanto conceito, passamos ao debate em torno de sua contabilização. Segundo o mesmo indigitado parágrafo oitavo do artigo 235-C celetista, a hora de espera não será computada "como jornada de trabalho e nem como horas extraordinárias". Neste passo, surgem dúvidas a respeito de como a Empregadora deve realizar a sua apuração para fins de pagamento da indenização prevista - indenização esta que equivale a trinta por cento do valor da hora salarial regular, em consonância com o parágrafo nono conseguinte.
Segundo o preceito em apreço, o expediente regular de um motorista é composto por dois tipos de horas: de um lado, a "jornada de trabalho", ou jornada efetiva, que representa a soma das horas de direção com as horas em que o motorista esteve à disposição, na iminência de receber uma tarefa; de outra parte, as horas de espera, que são, como vimos, as que ele aguarda carga, descarga ou fiscalização. Se as horas de espera não se computam como jornada de trabalho nos termos da lei, temos que elas devem ser contabilizadas em separado, não importando se isso trará benefícios ao empregador ou ao empregado. Sua contagem é, portanto, realizada à parte, sem qualquer integração com a jornada efetiva.
Para melhor entendimento, recorremos a exemplos. Nesta primeira ilustração, um motorista inicia a sua jornada às 7h, horário em que chega à sede da Empregadora. Às 8h, ele recebe uma tarefa e parte em direção a um local de carregamento, ao qual chega às 10h. Lá, ele aguarda por duas horas a aposição dos bens em seu veículo, e então parte às 12h para o destino indicado. Às 13h, ele interrompe a jornada e realiza o seu almoço, seguindo viagem às 14h até o ponto de descarga, onde chega às 16h. Aguarda o descarregamento por mais duas horas e, em seguida, às 18h, retorna à Matriz da Contratante, onde chega às 20h e encerra o serviço. Em um caso assim, temos:
7h às 8h - Hora à disposição - Jornada Efetiva
8h às 10h - Hora de direção - Jornada Efetiva
10h às 12h - Carregamento - Hora de Espera
12h às 13h - Direção - Jornada Efetiva
13h às 14h - Almoço - Descanso
14h às 16h - Direção - Jornada Efetiva
16h às 18h - Descarregamento - Hora de Espera
18h às 20h - Direção - Jornada Efetiva.
Os totais computados são de nove horas de jornada efetiva, quatro horas de espera e uma hora de intervalo. Deste modo, e considerando que a jornada diária contratual deste motorista seja de oito horas, ele fará jus a uma hora extra - acrescida do adicional correspondente - e, ainda, a quatro horas de espera. A espera não se integra a jornada para fins de apuração das horas extras, e, como a sua indenização é muito menor do que aquela paga pela hora extra, o Empregador neste caso obteve grande economia com a folha.
Vamos, agora, a um segundo exemplo, ligeiramente distinto do primeiro. Nele, o motorista chega à Companhia ao mesmo horário, - 7h -, e sai para realizar uma tarefa às 8h. Chega no ponto de carregamento às 9h, e existe uma grande fila de espera que o obriga a ficar ali até às 15h. Deixa o local e segue até o ponto de entrega, onde aporta às 16h. É obrigado a aguardar a descarga até as 20h, e então retorna à sede da empresa, encerrando o serviço às 21h. Temos, nesta hipótese a seguinte configuração:
7h às 8h - Hora à disposição - Jornada Efetiva
8h às 9h - Direção - Jornada Efetiva
9h às 15h - Carregamento - Hora de Espera
15h às 16h - Direção - Jornada Efetiva
16h às 20h - Descarregamento - Hora de Espera
20h às 21h - Direção - Jornada Efetiva.
Contabilizando-se cada tipo horário, apuramos que, neste dia, a jornada efetiva do profissional foi de quatro horas apenas, enquanto que o tempo de espera alcançou dez longas horas. Aqui emerge uma das principais dúvidas atuais: "quantas horas de espera devem ser honradas ao empregado? Ou, sendo mais direto: "É possível utilizar algumas horas de espera para a complementação da jornada regular de oito horas, indenizando apenas aquelas que excederem a esta complementação?". Aqui reside o grande perigo a determinadas posições adotadas por alguns Empregadores.
A resposta a essas perguntas passa por uma análise da intenção do Legislador com a instituição do atual texto legal. As horas de espera fora criadas, originalmente, pela Lei 12.619/2012, a famigerada "Lei do Motorista", que previa, em seu então inovador artigo 235-C, parágrafo oitavo:
"§ 8º São consideradas tempo de espera as horas que excederem à jornada normal de trabalho do motorista de transporte rodoviário de cargas que ficar aguardando para carga ou descarga do veículo no embarcador ou destinatário ou para fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias, não sendo computadas como horas extraordinárias"
Perceba-se que o dispositivo era cristalino em dizer que as horas de espera seriam as que EXCEDESSEM a jornada normal de trabalho, e que não seriam computadas apenas como horas extraordinárias. No mais, o parágrafo nono determinava a sua indenização pelo valor da hora base ACRESCIDO de trinta por cento. Tínhamos, pois, um tipo de hora pago de forma indenizada, com um acréscimo um pouco menor, e apenas quando ultrapassasse o expediente contratual regular.
Sobreveio, então, a Lei 13.103 de 2015, que é a que atualmente se encontra em vigor. O artigo em apreço sofreu importantíssima alteração de conteúdo, alteração esta que é indicativa da intenção legal:
"§ 8o São considerados tempo de espera as horas em que o motorista profissional empregado ficar aguardando carga ou descarga do veículo nas dependências do embarcador ou do destinatário e o período gasto com a fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias, não sendo computados como jornada de trabalho e nem como horas extraordinárias"
Houve, primeiramente supressão da expressão "que excederem à jornada normal de trabalho", e, também, a inclusão do trecho em que se diz que as horas de espera não são computadas COMO JORNADA DE TRABALHO - não apenas como horas extraordinárias, tal qual na redação anterior, mas como jornada de trabalho. Além disso, as horas de espera passaram a ser indenizadas em somente trinta por cento do valor da hora normal, e não pelo montante de uma hora com acréscimo de trinta por cento - uma redução considerável.
Isso nos conduz à inafastável conclusão de que a intenção dos que modificaram a lei foi atingir a sistemática de contabilização da hora de espera. Antes, ela somente era indenizada caso excedesse a jornada regular, e com um valor maior; agora, ela não se integra na jornada, é indenizada por completo, mas com um valor bem menos expressivo, inferior à quarta parte do montante antigo. Contanto, a resposta ao questionamento inicial não pode ser outra: O EMPREGADOR NÃO DEVE COMPLEMENTAR A JORNADA EFETIVA COM HORAS DE ESPERA, MAS PAGAR A ESPERA POR INTEIRO, À PARTE.
No segundo exemplo que trouxemos antes, em que o motorista teve quatro horas de jornada efetiva e dez horas de espera, ele receberá todas as dez horas de espera - que equivalem, na prática, a três horas comuns, já que a indenização é de trinta por cento da hora comum. Nesta situação, ao oposto da anterior, o empregado obteve vantagem, o que demonstra que a lei de certo modo acaba por tratar a ambos os contratantes de forma equitativa, isonômica, igual.
"Mas se o motorista tem um contrato de oito horas diárias de trabalho e suas jornada efetiva foi de apenas quatro horas, ele não ficou a dever quatro horas de trabalho?". Sim, ficou. No entanto, a lei veda qualquer tipo de desconto salarial por força da jornada insuficiente. Se houver banco de horas em vigor na Companhia, é possível que essas horas sejam creditadas à empresa, para compensação com horas credoras do empregado ou com labor no futuro, mas é tudo o que se pode fazer. O abatimento do salário é proibido, e, como dito alhures, as horas de espera devem ser indenizadas na totalidade, sem complementação do horário contratual.
Finalmente, enfatizamos que as horas de espera não são assalariadas, mas indenizadas. Isso significa que, sobre elas, não incidem os encargos de praxe, tais como reflexos em férias, décimo terceiro, contribuições ao FGTS, aviso prévio, eventuais horas extras, adicional noturno, contribuições ao INSS, dentre outros. De fato, pois, ao criar essa modalidade horária e lhe atribuir contrapartida baixa, o escopo foi trazer ganho econômico ao Contratante, mas, ao mesmo passo, não deixar o Contratado sem correspondência ao tempo total que despende aguardando. Há vantagens e desvantagens para ambos os lados.
O perfeito uso da lei, para que se ponha benéfica à operação e às finanças de uma Empresa, depende, deste modo, de um trabalho cuidadoso das equipes de gestão, a quem caberá dimensionar corretamente o quadro de colaboradores para que a jornada efetiva seja sempre próxima da contratual e as horas de espera não se tornem um fardo pesado, e, ainda, de instrumentos jurídicos diversos os quais possibilitem compensações e acertos na jornada efetiva.